Núcleo Arqueológico
Os vestígios mais antigos encontrados na área do Castelo de São Jorge são do tempo em que os fenícios navegavam por todo o Mediterrânico e costas do Atlântico para comercializar produtos com as comunidades locais que aí existiam.
Os objetos aqui identificados pelos arqueólogos datam do século VII a.C., uma época que se convencionou designar por Idade do Ferro. E porquê? Porque, nesta altura, as comunidades desenvolveram uma nova tecnologia, a metalurgia do ferro. Produzir objetos em ferro era complexo pois exigia fornos de altas temperaturas. O domínio desta tecnologia permitiu o fabrico de objetos como as armas, a ferramentas e outros utensílios. É, ainda, neste período que se introduzem outras novidades como a roda de oleiro que permitia fazer peças em cerâmica com formas mais variadas, mais resistentes e também mais bonitas.
A colina oferecia uma proteção natural às populações que aqui viessem a residir: era um local estratégico sobre a grande via que era o rio Tejo, tinha escarpas e vertentes íngremes que lhes garantia proteção e era abundante em água.
Por isso os arqueólogos encontraram restos de casas antigas, que pertenciam a um povoado que se estendia do topo da colina até ao rio. Este povoado, um dos maiores núcleos urbanos em território português, parece ter sido habitado ao longo de quatrocentos anos, desde o século VII a.C. até ao século III a.C. – ou seja, ao longo de grande parte da Idade do Ferro. – estimando-se que aqui tenham vivido entre 2500 a 5000 pessoas.
Ao longo destes séculos, as pessoas que aqui habitavam foram deixando objetos – ânforas, potes, panelas, pratos ou taças – na sua maioria partidos em cacos, mas que os arqueólogos conseguiram recuperar e identificar, e perceber que muitos vinham de muito longe, da Fenícia, da Grécia ou do Norte de África. Um desses objetos importados, o típico «prato de peixe», típico da Fenícia, foi copiado pelos oleiros que viviam nas proximidades e passou a ser fabricado localmente. Ambos, estão expostos no Núcleo Museológico, bem como todos os outros objetos que vieram de terras tão longínquas.
O bairro islâmico do castelo, descoberto pelos arqueólogos no final do século XX, foi construído na segunda metade do século XI, no tempo dos reinos das Taifas. Nesta época a zona norte da alcáçova foi reorganizada e reconstruiram-se as muralhas da cidade de Al-Ushbuna, como era conhecida antigamente a cidade de Lisboa.
No topo da colina erguia-se rodeada de muralhas, a alcáçova que era a zona onde moravam as pessoas influentes do governo da cidade. Nesta zona existiam bairros residenciais como o que foi descoberto junto castelo. Era constituído por casas grandes e outras mais pequenas e por ruas, e localizava-se mesmo ao lado dos jardins da mesquita, que a tradição diz ter existido onde hoje está a igreja de Santa Cruz.
As casas grandes, das pessoas mais importantes, tinham mais de 150 m2 e dispunham de um pátio interior, com um pequeno jardim, ao redor do qual se organizavam os vários compartimentos: o salão (onde comiam as refeições e recebiam os amigos), e as alcovas (os quartos de dormir); a cozinha e a despensa; a latrina (a casa de banho) e outros compartimentos. Tinham paredes rebocadas, isto é, revestidas de uma argamassa para ficarem com uma textura mais lisa e uniforme. Este reboco era pintado, decorado com desenhos de motivos geométricos, como era próprio da cultura islâmica. Nos salões, ainda é possível ver os pavimentos de argamassa vermelha. Nos pátios, com pavimentos de laje de pedra, as paredes também eram rebocadas e pintadas.
A rua principal de acesso às casas era pavimentada com lajes, ou seja, não era de terra batida, o que era um grande benefício em dias de chuva, em que, doutra forma, as ruas ficavam cheias de lama. E já dispunha de um sistema rudimentar de esgotos: um cano em barro ou feito em pedra, coberto por uma laje de pedra, encaminhava as águas da casa para a rua e desta para uma fossa.
Nestas casas foram encontrados vários objetos que os seus habitantes deixaram quando tiveram que abandonar as suas casas, após a conquista da cidade por D. Afonso Henriques, em 1147. Na sua maioria são loiças de uso quotidiano, mas também, os candis que eram usados para iluminar – as lâmpadas da época -, ou peças de jogo, que podem ser vistas do Núcleo Museológico.
Quando D. Afonso Henriques conquistou a cidade aos mouros, em 1147, uma das primeiras medidas que tomou foi doar os terrenos a nascente do castelo zona da alcáçova onde se encontrava o bairro islâmico), a D. Gilberto, Bispo de Lisboa, para lá se contruírem os paços episcopais.
Destes paços pouco se sabe. Os arqueólogos conseguiram identificar alguns muros de remodelações feitas aos longo do século XIII, XIV e XV, mas, em rigor, não puderam identificar a planta edifício.
É através das fontes escritas, dos documentos antigos, que sabemos que os bispos tinham um dos seus paços (sim, tinham mais residências na cidade!), nesta zona da alcáçova, ao lado da atual igreja de Santa Cruz e próximo do palácio do rei. Através destes documentos, conseguimos perceber que o paço (nome porque são conhecidos os palácios em época medieval), era mais um conjunto de casas que se iam construindo consoante as necessidades e as modas, que um edifício único.
Mesmo não se sabendo como eram os paços dos Bispos na alcáçova, sabemos que, ao longo dos séculos, os vários bispos e arcebispos, foram fazendo obras de ampliação e melhoramentos, conforme nos informam os documentos e comprovam as estruturas encontradas pelos arqueólogos. Pelo menos até meados do século XV, altura em que os paços dos bispos da alcáçova são arrendados, e posteriormente vendidos, a outras pessoas.
O palácio dos Condes de Santiago é uma das últimas residências fidalgas na alcáçova de Lisboa.
Foi a residência do Aposentador Mor da Casa Real, desde o século XVI até ao século XVIII, mais precisamente até 1755, quando o palácio ficou totalmente destruído pelo incêndio que resultou do terramoto.
O aposentador mor do rei, era um ofício da Casa Real, que tinha como missão tratar de todas as coisas necessárias para hospedar o Rei quando se encontrava em viagem. Tal como outros serviços superiores do governo da Casa Real, era uma função atribuída a um fidalgo. Normalmente era hereditária, ou seja, passava de pai para filho, salvo quando ficava livre por não haver descendência.
O palácio dos Condes de Santiago de Beduído, aposentadores-mores da Casa Real, era constituído pelas antigas casas dos paços dos Bispos de Lisboa. Naturalmente, que esses edifícios antigos dos paços dos Bispos, foram alvo de remodelações e ampliações, ao longo de 250 anos de ocupação.
Embora o palácio tenha ficado completamente destruído pelo incêndio que sobreveio ao terramoto de 1755, sob os escombros ficaram preservadas algumas estruturas que os arqueólogos identificaram como compartimentos do piso térreo.
Como zonas de acesso, estrebaria, cozinha, despensas ou armazéns. É possível ver, ainda, parte do pavimento de acesso, empedrado. Ou um compartimento onde se conserva parte de uma porta e de uma janela, com três pavimentos distintos que correspondem a obras feitas no século XVI, XVII e XVIII. Ou os vestígios da escadaria de pedra que dava acesso ao piso superior. Ou a despensa subterrânea, com acesso por escadas e com cobertura em abóbada, que servia para guardar os alimentos num local fresco pois, naquela altura, não havia frigoríficos.
Os arqueólogos encontraram diversos objetos perdidos no meio dos escombros, como porcelanas importadas da China, ou faianças e vidros deformados pelo calor do fogo do incêndio, que podem ser vistos no Núcleo Museológico. Bem como os fragmentos do painel de azulejos -com figuras de anjos entrelaçados em motivos vegetais – que revestia a parede de um dos compartimentos, datado do século XVII.